sábado, 22 de novembro de 2008





As estrelas, as nuvens, o quarto crescente…

Deveremos nós tentar alcançá-los?

Nunca. Nada daquilo é nosso.

Tudo nos é estranho.
Acordaste agora?

(cansaço/os músculos recusam-se/e o espírito/nada tem força/vontade/dores/na cama/incrédulo/olhos semicerrados/pensamentos eróticos/faço-te passar/as maiores torturas/fico com tesão/vais andando comigo/em câmara lenta/em super slow motion/como na bola/olhas/suplicante/para os céus/só há/cúmulo nimbos/no limbo/da realidade/vês céu/azul claro/e nuvens /brancas/a minha libido/está a acabar/e eu com ela/doido/morro/e tu/comigo.)

Sim. Vejo arco íris em sete tons de negro (tal e qual a cor das minhas lágrimas) e vislumbro belas tumbas cinzentas carregadas de flores, em cemitérios carregados de névoa e chuva. O coveiro imóvel já não escava. Os cadáveres são tantos, a perder de vista...

O que fazes quando dormes? Sonhas? Tens pesadelos?

(trovoadas e tempestades/vagas alterosas/sem parar/ao longe/ canções/Marinheiros e putas/tristes melodias/e vidas/difíceis/céus plúmbeos/prestes a cair/chuva de deuses/antigos/plenos de vícios/e sabedoria/e o velho filósofo/que já não pode/aconselhar-nos/oferece/o que pode/um ramo de rosas/vermelhas/de sangue/do teu período/plenas de espinhos/que te fustigam o ventre/e aos gritos/te fazem sangrar/ainda mais/agora/acorda/fala comigo/bebe um copo de vinho/tinto.)

Não. Durmo, muito simplesmente. Gostava de descansar, mas não consigo.
Colho flores, choro, entristeço, deixo de crer, seja no que for, mesmo em ti, até em mim… desespero.

Cuspo-te. Com rancor. Omã escarreta acastanhada. Sangue velho. Doente, dolorosamente lançado. Mas dá-me prazer. Dá-me gozo. Enxovalhar-te. Diminuir-te. AO nível de um animal vadio. E magoar-te. Atirar-te de um comboio e,m movimento. POR uma ravina abaixo. Insultar-te. Chamar-te puta, cabra, que és. E, também, filha de uma rameira. Que também és.

Fumo um cigarro, fumo umas ganzas, chuto merdas, bebo copos, o branco dos meus olhos mal se vê, sentada à beira da cama, a tremer de frio, sob uma luz mortiça, tão amarelada como eu.

Acordo, pernas encharcadas de sangue que escorre cona abaixo. Todos os dias, todos os dias…

Sou um náufrago ferido, perdido, à deriva, sem alimentos nem água.

O sonho, de que falavas, também é um naufrágio, uma longa canção – cantada por um marinheiro, durante uma enorme tempestade - muito lenta e triste sobre a inevitável futura morte.

Digo-te, digo-te assim, o que sinto todos os dias: acordo no meio do sangue.
Sangue sujo, maldito, terror de todas as horas sem luz nem amparo, neste túnel sem nada, perdido.

Tenho um orgasmo no meio do vermelho e mais triste – costuma dizer-se que até os animais ficam tristes depois de se virem… - ainda, revolvo cobertores e lençóis reviro-me em almofadas desaparecidas.


Costuma (e prece que é verdade) dizer-se que até os animais ficam tristes depois de se virem…

Não quero nada. Desejo dormir sonhos brancos vazios de nada. De nada me servem nem a luz nem a escuridão. Tento desistir mas as memórias, os muito antigos afectos.

Nunca mais vi o teu sexo, os lábios sem sabor, o esperma que me foi dado. Nada quero que não seja já moribundo, tresande a merda, a morte e a sangue já estragado e nojentamente coagulado que tu já lambeste, pertencente a um ser que foi carne e sangue de cores belas, agora podres de tempo que não temos aqui.

Não te vejo, não sei se hoje se nunca mais e isso não faz mal nem diferença.

Durmo, outra vez, o frio terrível e miserável de uma estação horrível, o inverno, inferno que odeio. Odeio. Agora está na hora.
Está na momento de um último jogo de dados.

Condena-se quem tirar números pares, que os ímpares são sagrados.

Saca da pistola, saca da navalha. Tu escolhes a arma. Esventra-me sem piedade, agora que me confessei. Agora que estou podre por dentro, já não sirvo para nada.

Nem nós nem ninguém. Não há saída. Sem saída. Isso, revolve-me as entranhas.
s

sábado, 8 de novembro de 2008

subterrâneos da solidão







Aberto na sua frente, o portátil dizia assim, como uma espécie de escura e sombria epígrafe, em corpo de letra bem grande: pesados e espessos/todos somos náufragos/farrapos/pobres sem remissão/que são bandeiras/negras/no nevoeiro denso/num qualquer/cemitério de velhos navios enferrujados/meio afundados/ cumpriram a sua missão/ e agora/com todas as cicatrizes incuráveis/sem retorno/como um cemitério de baleias ou elefantes suicidas/onde vão acabar/ para esquecer/a tragédia/no fim/são postos longe/longe dos olhares/que não gostam da fealdade e da miséria/que têm medo do fim/que os espera/também/lá nos subterrâneos da solidão

terça-feira, 4 de novembro de 2008

dama de espadas












“Hey This life is never fair. The angels that we need are never there”
Coutney Love, America’s Sweetheart

Estava doente, outra vez. De noite, na cama de hospital escrevia, desanimado

Escuridão

Eclipses sucessivos do Sol
Flores deitadas fora
Cheiro a esgoto
Dias tristes
O coração desfeito
Madrugadas em branco
Um deus desaparecido
E os anjos escondidos
Jogos de crianças
Perco tudo
Sem força para vencer
Este demónio
Vicioso
Manhãs cinzentas
Tardes negras
Noites possuídas pelo mal
Pela enorme dor
Onde está o meu amor?
Olho para o céu
A luz cega-me
Não sei de nada
Não sei de ninguém
O nada
O desespero
O medo
Os espinhos das rosas vermelhas
A escuridão


No dia seguinte algo mudou e eu decidi, com alegria, relatar.
Esta é uma história aterradora sobre uma rapariga muito bela , um ser humano maravilhoso, alegre: uma graça. Aqui se narram, também, o desgraçado destino de um homem que quer, desumanamente agarrar-se à vida e ao amor, quando já não tem forças para isso.
John Cassavetes dizia sobre as suas obras-primas: “O que me interessa filmar? O amor ou a falta dele. Eis o que me interessa filmar.”. Eis aquilo sobre que me interessa escre3ver.

Um dia, no hospital, abri, por curiosidade, uma gaveta de um pequeno armário que suportava um telefone. Lá dentro encontrei um velho baralho de cartas, já incompleto. A única carta que estava virada para cima era a dama de espadas. Sem saber muito bem porquê, decidi guardar a carta no bolso do casaco de pijama, um pijama já muito puído, como só há nos hospitais. Espadas é o naipe mais nobre de um baralho. Uma dama de espadas tem um significado muito especial. Trata-se da dama mais fatal das quatro que constituem o baralho. É um trunfo valioso. Sempre me fiei mais no acaso do que na fé, no fado, ou no destino. Creio na liberdade e não no determinismo. Do caos nascem novas coisas, da ordem, nada. Talvez viesse a acontecer algo de inesperado e maravilhoso. A vida passeava-se tranquila pelos corredores e recantos da vida. Com alguns sobressaltos, é certo: mas isso faz parte da natureza das coisas.
Vivera uma vida plena: boémia, nómada, bebia uns copos a mais, dedicava-me a algumas substâncias que me faziam planar sobre a vida sem preocupações, tive as raparigas que quis, joguei, ganhei e perdi fortunas, dei lições de vida a meninas que podiam ser minhas filhas, dei e levei grandes tareias.... A velocidade, como vejo agora, foi grande demais, Mas não estou arrependido, faria tudo de novo. Não me podia queixar. No entanto, agora que pensava que chegara a vez de dar um pouco de descanso a este corpo gasto e farto de tudo, desprezando os que desde que doente me desprezaram. É uma lei da vida: Quando não temos saúde ou dinheiro toda a gente foge. Tornamo-nos párias. Não tenho nada contra os párias, aqueles que se estão a borrifar para as normas burguesas da sociedade. Até admiro muito alguns: Caravaggio, Rimbaud, Artaud, Gauguin, Genet, Pasolini, e tantos outros.

Mas falava em descansar... Eis senão quando conheci uma criatura divina. Parecia saída de um quadro de Modigliani. Talvez “Le Nu Rouge” : em tons ocre e vermelhos retratando uma rapariga morena, muito mediterrânica, cores da terra, étnicas. Quentes como o amor e a fraternidade. Quentes como o hemisfério Sul, onde me orgulho de ter nascido. Ou, talvez, mais apropriadamente, a bela e misteriosa “Justine”, de Durrel, do fabuloso “Quarteto de Alexandria”. Também aquela rapariga que eu conhecera, no seu entusiasmo, beleza e alegria contagiantes era quente, maravilhosa, secreta, com sentido de humor. Acreditei que podia ser seu amigo. Sem dúvida. Fiquei contente. Pensei que ela não me desiludiria. Nessa noite, ainda na cama de hospital escrevi, um pouco menos melancólico:



Ressurgir

Há golpes de sorte
E afinal há uns dias menos maus
As grades entreabrem-se
A percepção atinge os seus limites
Como no primeiro dia de muito sol e calor
Senti-me renascer
O meu coração como o rio sagrado
Corre nas nuvens
Os homens santos fá-lo-ão aterrar
Sobre a terra escaldante
E tudo voltará à realidade
Uma verdade sorridente
Como há muito não tinha

A verdade é que, até hoje, e apesar de lhe ter deixado o número de telefone, nunca mais ouvi falar dela…

sábado, 1 de novembro de 2008

sussurro





Tudo isto é
Um sonho
Um policial
Sem assassínios
Ou outros crimes
Mas há a possibilidade
De um verdadeiro amor
O meu coração
Derrama
Minúsculas gotas
De sangue
Que caem
Como a areia
De uma ampulheta
Sobre os teus belos lábios
Seios
E sobre o teu ventre
Estás deitada,
Quase a dormir
E eu beijo-te
Beijando
O meu próprio sangue
Sussurro
“Amo-te te"

strip





Na rua estava uma noite morna. Não prometia nada de especial. Beberia uns copos, sentado ao balcão. Longe da verdadeira “acção”, a actuação das stripers. Trocaria meia dúzia de palavras insinuantes com a super-boa bartender, que tem os belos seios nus. O balcão, naturalmente, está a abarrotar de homens que esperam um milagre: dormir com aquela deusa do sexo, custe o que custar… Olharia para a gaja que estava no passeio das stripers. Boa, belas mamas, longas pernas, boca carregada de batôn e falsas promessas de uma grande noite. Maquilhagem exagerada e a começar a borrar, efeito do suor – suor e sexo sempre ligaram bem um com o outro, o calor do desejo e dos corpos a arder de sexo reprimido criam, juntamente com o fumo dos muitos cigarros fumados em menos de nada, um ambiente quente (e com um cheiro muito próprio) que obriga a beber muitos líquidos (a ideia é essa) e a umas idas à rua; mesmo com o risco de perder a actuação da striper seguinte, que é sempre melhor do que a anterior, segundo dá a entender indirectamente, pelo sistema de som, o dj de serviço, que tem ar de quem não se lava há um mês e que as raparigas veneram. Vislumbram-se na penumbra avermelhada (as luzes, nestes locais têm sempre uma tonalidade da cor do pecado) várias mesas com machos ansiosos – é que as meninas após os números sensuais e verdadeiramente acrobáticos, no varão, podem ir, mediante pagamento, dançar no colo dos clientes, deixando aqueles completamente loucos! Previamente avisados de que não podem tocar, nem com um dedo, nas raparigas praticamente virgens -, copo, garrafa e cigarro aceso à frente. O dono do bar e os “empresários artísticos” das belas moças, quase todas emigrantes brasileiras, espanholas e oriundas dos países de leste, não gostam nada que se lhes toque, que se lhes mexa. O que não impede uma ida á pensão, ali perto, para praticar sexo. Mas cada coisa a seu tempo e no seu lugar. Acontece muitas vezes, durante a lap dance, verificarem-se cenas de violência, muitas vezes acabadas na rua, ao murro e à navalhada, com abundante derramamento de sangue, entre, os clientes desvairados e bêbedos que se pegam (após uma breve apalpadela ou um beijo que estão proibidos de dar) com as raparigas, os respectivos “proprietários” e os implacáveis seguranças. Há muito sangue limpo de manhã, pela empregada, naquele passeio à frente da porta do “Paraíso”. Já lá morreu um, de tanto sangrar, numa noite de Inverno, perto do dia de Natal. Consta que ninguém viu nada, e, na verdade, não houve presos, nem culpados, tal como não houve grande intervenção da polícia. Segundo me contaram morreu à facada. Dizem que não foi uma morte gratuita, pois a rapariga era “linda de morrer”. Nesta noite em que fui lá beber uns copos e olhar para as jovens, tudo foi morno, como a noite, e nada aconteceu, que valha a pena acrescentar…