segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

o seio





o leve ondular
do teu magnífico
seio aveludado
suave
como que tocado
por um poeta
lentamente apaixonado
doente
(porque tu
que és bela
e perfeita
como
uma rosa acabada
de desabrochar)
envenenas de morte
quem te toca
o maravilhoso mamilo
espetado
numa viagem de morte
com um velho lobo do mar
que de antemão
sabe ir
naufragar
no teu corpo
torneado de pecado
como que bebido
em longos tragos
de rum
ó jovem seio
seio de menina
que as gotas limpídas do teu rum
me tragam
de novo


àvida

sábado, 13 de dezembro de 2008

conto de Natal






Boas Festas para todos, em especial para aqueles que, de quando em quando, passam por aqui...




Lembras-te de me olhar através da janela aberta do miserável quarto que partilhávamos, no segundo andar naquela pensão miserável, carregada de percevejos, pulgas e outros animais de maior porte, que cheiravam a merda e a sémen? Olhavas-me, de pescoço esticado, colocada sobre as folhas moribundas do Outono, que caíam lentamente das duas árvores que ficavam mesmo em frente à porta da pensão.
Através da tal janela aberta (apesar do frio imenso) vias-me debruçado, numa batalha com a máquina de escrever, a tentar ajudar-te a equilibrar o curto e incerto orçamento diário (uns dias comia-se, outros não, noutros havia água engarrafada - noutros não – por vezes tinhas dores de estômago arrepiantes, ficavas na cama, cheia de febre, dias seguidos e não havia dinheiro para ir buscar o remédio que te dava alívio.. Eu dizia-te aborrecido: “andas para aí a comer merdas que te fazem mal. Assim não entra dinheiro durante dias…” Ela respondia, a medo: vai trabalhar grande cabrão, chulo de merda!” eu enfiava-lhe um directo, que lhe punha ao olho negro durante uns dias (ela já sabia que isso lhe ia acontecer, mas não era capaz de ficar calada, era mais forte que ela.” . Eu fumava e bebia sem parar, quando havia guito, dava uns calduços de heroína. Ela rezava aos santos e santas da sua preferência, que tinha alinhados num pequeno armário, tipo altar, ‘rão a ver? Nunca consegui vender nada daquilo que escrevo: não sou escritor, não sou escriturário, não sou jornalista e, menos ainda, poeta – um dia, cheio de orgulho desci à taberna com uns versos para serm cantados em fado, entreguei-os ao bêbedo de serviço, que era suposto cantá-los. Antes de o fazer, leu-os em voz alta à selecta audiência composta por putas, chulos, gajos à procura de gajas, e até um ou outro paneleiro. Tudo gente conhecida, foi a risota geral, estridente, também. É claro que eu não me fiquei e houve tareia da grossa. Chamaram a polícia, a coisa ficou por ali, com meia dúzia de nódoas negras, bebemos um copo, eu dorido e ferido no meu orgulho, fui para a minha janela. Nunca mais, nem por brincadeira, quis ouvir falar em poesia: sou um prosador! Sobretudo, não sou nenhum artista falhado! Sou um falhado em tudo. Não gosto nada de falar de mim próprio, mas hoje, à falta de melhor é sobre mim que estou a escrever. Estive preso – matei um tipo (numa bela dança de navalhas) que me andava a foder o juízo, por causa de uma puta muita feia, que era minha “empregada”, apanhei uma montanha de anos de cadeia. Por bom comportamento, (julgavam eles…), mandaram-me embora para aí a meio da pena. Estou cá fora há dois anos e continuo a portar-me muito mal. Quando não há comida roubo; quando as coisas vão mal com a Tina, a puta que vive comigo e me sustenta, dou-lhe uma carga de porrada, que a impede de trabalhar durante umas duas semanas – passadas a gemer, durante essa eternidade insuportável em que ela está em casa, na cama, por vezes ainda a carrego com mais uma ou duas tareias. Ela grita tanto, que se ouve a dois quarteirões de distância. Clama sobretudo por Nossa Senhora de Fátima. A janela está sempre aberta, por respeito para com a Tina, que não fuma tabaco. Apenas uns charros para aliviar a dor. Eu estou quase sempre ali, ao frio com toda a roupa quente que possuo: uma camisa de flanela e um pullover fininho, que gamei a um tipo, na taberna; junto à janela tenho a máquina de escrever, uns papeis – que recorto dos jornais, nem sei muito bem para quê… tenho também uma resma de papel A4, que surripiei na loja do chinês, aqui mesmo ao lado!)
Como já disse decidi escrever a minha autobiografia, que contém, tenho a certeza, conhecimentos e vivências úteis à humanidade ignorante e sequiosa de cultura. A Tina estava sempre de acordo com as coisas que eu dizia. Que remédio tinha ela: era a única pessoa com quem podia falar e fazer estes discursos eruditos. Quer tivesse ou não paciência para me aturar, doente, ou depois de aviar cinco ou seis gajos numa noite – desde sadomasoquistas passando por pedófilos frustrados e até paneleiros que não tinham encontrado um traseiro para descarregar. Ela chegava toda rota a casa. Não tinha nada para comer, eu aquecia água no minúsculo fogão, pra ela fazer o seu chá. Um dia, estava eu no meu local de trabalho, deviam ser para aí umas cinco da matina, ouvi uma peixeirada do caraças. Aproximei-me da borda da janela e mandei um berro: “pouco barulho, grandes cabrões.” Do outro lado responderam-me em linguagem ainda mais refinada, o que me deixou danado. Passados vários minutos ouviu-se um estrondo na porta do quarto. Fui a correr abrir. Era a Tina, agarrada ao ventre, que tinha cortes profundos feitos por uma faca bem afiada, destinada a matar. A rapariga estava coberta de sangue dos pés à cabeça, sem força sequer para pedir ajuda aos seus anjos e santos, num misto de dor e de incredulidade. Morreu-me nos braços passados uns minutos. As suas últimas palavras foram “ai! Minha mãe”. Depois chegou a polícia com o chavascal do costume e eu fui sentar-me na minha cadeira junto da janela e lembrei-me da Tina nessa tarde de um dia de Dezembro a arranjar o presépio, a montar uma pequena árvore de Natal, com pequenas luzes a piscar e a enfeitar os santos, anjos e outras entidades protectoras. “Para quê? Disse eu entre dentes, para não levar umas palmadas dos pasmas. Chorei umas lágrimas sobre a inútil mesa e acrescentei “bom Natal…” Depois de a polícia sair fui ao altar da Tina e abri o pressente que me tinha reservado para esse dia tão especial para ela: um anjo pequeno em barro, para me propeger, queeu guardei junto dos dela. A tina não era aquilo que se chama um sex symbol, longe disso, mas eu gostava dela.

sábado, 22 de novembro de 2008





As estrelas, as nuvens, o quarto crescente…

Deveremos nós tentar alcançá-los?

Nunca. Nada daquilo é nosso.

Tudo nos é estranho.
Acordaste agora?

(cansaço/os músculos recusam-se/e o espírito/nada tem força/vontade/dores/na cama/incrédulo/olhos semicerrados/pensamentos eróticos/faço-te passar/as maiores torturas/fico com tesão/vais andando comigo/em câmara lenta/em super slow motion/como na bola/olhas/suplicante/para os céus/só há/cúmulo nimbos/no limbo/da realidade/vês céu/azul claro/e nuvens /brancas/a minha libido/está a acabar/e eu com ela/doido/morro/e tu/comigo.)

Sim. Vejo arco íris em sete tons de negro (tal e qual a cor das minhas lágrimas) e vislumbro belas tumbas cinzentas carregadas de flores, em cemitérios carregados de névoa e chuva. O coveiro imóvel já não escava. Os cadáveres são tantos, a perder de vista...

O que fazes quando dormes? Sonhas? Tens pesadelos?

(trovoadas e tempestades/vagas alterosas/sem parar/ao longe/ canções/Marinheiros e putas/tristes melodias/e vidas/difíceis/céus plúmbeos/prestes a cair/chuva de deuses/antigos/plenos de vícios/e sabedoria/e o velho filósofo/que já não pode/aconselhar-nos/oferece/o que pode/um ramo de rosas/vermelhas/de sangue/do teu período/plenas de espinhos/que te fustigam o ventre/e aos gritos/te fazem sangrar/ainda mais/agora/acorda/fala comigo/bebe um copo de vinho/tinto.)

Não. Durmo, muito simplesmente. Gostava de descansar, mas não consigo.
Colho flores, choro, entristeço, deixo de crer, seja no que for, mesmo em ti, até em mim… desespero.

Cuspo-te. Com rancor. Omã escarreta acastanhada. Sangue velho. Doente, dolorosamente lançado. Mas dá-me prazer. Dá-me gozo. Enxovalhar-te. Diminuir-te. AO nível de um animal vadio. E magoar-te. Atirar-te de um comboio e,m movimento. POR uma ravina abaixo. Insultar-te. Chamar-te puta, cabra, que és. E, também, filha de uma rameira. Que também és.

Fumo um cigarro, fumo umas ganzas, chuto merdas, bebo copos, o branco dos meus olhos mal se vê, sentada à beira da cama, a tremer de frio, sob uma luz mortiça, tão amarelada como eu.

Acordo, pernas encharcadas de sangue que escorre cona abaixo. Todos os dias, todos os dias…

Sou um náufrago ferido, perdido, à deriva, sem alimentos nem água.

O sonho, de que falavas, também é um naufrágio, uma longa canção – cantada por um marinheiro, durante uma enorme tempestade - muito lenta e triste sobre a inevitável futura morte.

Digo-te, digo-te assim, o que sinto todos os dias: acordo no meio do sangue.
Sangue sujo, maldito, terror de todas as horas sem luz nem amparo, neste túnel sem nada, perdido.

Tenho um orgasmo no meio do vermelho e mais triste – costuma dizer-se que até os animais ficam tristes depois de se virem… - ainda, revolvo cobertores e lençóis reviro-me em almofadas desaparecidas.


Costuma (e prece que é verdade) dizer-se que até os animais ficam tristes depois de se virem…

Não quero nada. Desejo dormir sonhos brancos vazios de nada. De nada me servem nem a luz nem a escuridão. Tento desistir mas as memórias, os muito antigos afectos.

Nunca mais vi o teu sexo, os lábios sem sabor, o esperma que me foi dado. Nada quero que não seja já moribundo, tresande a merda, a morte e a sangue já estragado e nojentamente coagulado que tu já lambeste, pertencente a um ser que foi carne e sangue de cores belas, agora podres de tempo que não temos aqui.

Não te vejo, não sei se hoje se nunca mais e isso não faz mal nem diferença.

Durmo, outra vez, o frio terrível e miserável de uma estação horrível, o inverno, inferno que odeio. Odeio. Agora está na hora.
Está na momento de um último jogo de dados.

Condena-se quem tirar números pares, que os ímpares são sagrados.

Saca da pistola, saca da navalha. Tu escolhes a arma. Esventra-me sem piedade, agora que me confessei. Agora que estou podre por dentro, já não sirvo para nada.

Nem nós nem ninguém. Não há saída. Sem saída. Isso, revolve-me as entranhas.
s

sábado, 8 de novembro de 2008

subterrâneos da solidão







Aberto na sua frente, o portátil dizia assim, como uma espécie de escura e sombria epígrafe, em corpo de letra bem grande: pesados e espessos/todos somos náufragos/farrapos/pobres sem remissão/que são bandeiras/negras/no nevoeiro denso/num qualquer/cemitério de velhos navios enferrujados/meio afundados/ cumpriram a sua missão/ e agora/com todas as cicatrizes incuráveis/sem retorno/como um cemitério de baleias ou elefantes suicidas/onde vão acabar/ para esquecer/a tragédia/no fim/são postos longe/longe dos olhares/que não gostam da fealdade e da miséria/que têm medo do fim/que os espera/também/lá nos subterrâneos da solidão

terça-feira, 4 de novembro de 2008

dama de espadas












“Hey This life is never fair. The angels that we need are never there”
Coutney Love, America’s Sweetheart

Estava doente, outra vez. De noite, na cama de hospital escrevia, desanimado

Escuridão

Eclipses sucessivos do Sol
Flores deitadas fora
Cheiro a esgoto
Dias tristes
O coração desfeito
Madrugadas em branco
Um deus desaparecido
E os anjos escondidos
Jogos de crianças
Perco tudo
Sem força para vencer
Este demónio
Vicioso
Manhãs cinzentas
Tardes negras
Noites possuídas pelo mal
Pela enorme dor
Onde está o meu amor?
Olho para o céu
A luz cega-me
Não sei de nada
Não sei de ninguém
O nada
O desespero
O medo
Os espinhos das rosas vermelhas
A escuridão


No dia seguinte algo mudou e eu decidi, com alegria, relatar.
Esta é uma história aterradora sobre uma rapariga muito bela , um ser humano maravilhoso, alegre: uma graça. Aqui se narram, também, o desgraçado destino de um homem que quer, desumanamente agarrar-se à vida e ao amor, quando já não tem forças para isso.
John Cassavetes dizia sobre as suas obras-primas: “O que me interessa filmar? O amor ou a falta dele. Eis o que me interessa filmar.”. Eis aquilo sobre que me interessa escre3ver.

Um dia, no hospital, abri, por curiosidade, uma gaveta de um pequeno armário que suportava um telefone. Lá dentro encontrei um velho baralho de cartas, já incompleto. A única carta que estava virada para cima era a dama de espadas. Sem saber muito bem porquê, decidi guardar a carta no bolso do casaco de pijama, um pijama já muito puído, como só há nos hospitais. Espadas é o naipe mais nobre de um baralho. Uma dama de espadas tem um significado muito especial. Trata-se da dama mais fatal das quatro que constituem o baralho. É um trunfo valioso. Sempre me fiei mais no acaso do que na fé, no fado, ou no destino. Creio na liberdade e não no determinismo. Do caos nascem novas coisas, da ordem, nada. Talvez viesse a acontecer algo de inesperado e maravilhoso. A vida passeava-se tranquila pelos corredores e recantos da vida. Com alguns sobressaltos, é certo: mas isso faz parte da natureza das coisas.
Vivera uma vida plena: boémia, nómada, bebia uns copos a mais, dedicava-me a algumas substâncias que me faziam planar sobre a vida sem preocupações, tive as raparigas que quis, joguei, ganhei e perdi fortunas, dei lições de vida a meninas que podiam ser minhas filhas, dei e levei grandes tareias.... A velocidade, como vejo agora, foi grande demais, Mas não estou arrependido, faria tudo de novo. Não me podia queixar. No entanto, agora que pensava que chegara a vez de dar um pouco de descanso a este corpo gasto e farto de tudo, desprezando os que desde que doente me desprezaram. É uma lei da vida: Quando não temos saúde ou dinheiro toda a gente foge. Tornamo-nos párias. Não tenho nada contra os párias, aqueles que se estão a borrifar para as normas burguesas da sociedade. Até admiro muito alguns: Caravaggio, Rimbaud, Artaud, Gauguin, Genet, Pasolini, e tantos outros.

Mas falava em descansar... Eis senão quando conheci uma criatura divina. Parecia saída de um quadro de Modigliani. Talvez “Le Nu Rouge” : em tons ocre e vermelhos retratando uma rapariga morena, muito mediterrânica, cores da terra, étnicas. Quentes como o amor e a fraternidade. Quentes como o hemisfério Sul, onde me orgulho de ter nascido. Ou, talvez, mais apropriadamente, a bela e misteriosa “Justine”, de Durrel, do fabuloso “Quarteto de Alexandria”. Também aquela rapariga que eu conhecera, no seu entusiasmo, beleza e alegria contagiantes era quente, maravilhosa, secreta, com sentido de humor. Acreditei que podia ser seu amigo. Sem dúvida. Fiquei contente. Pensei que ela não me desiludiria. Nessa noite, ainda na cama de hospital escrevi, um pouco menos melancólico:



Ressurgir

Há golpes de sorte
E afinal há uns dias menos maus
As grades entreabrem-se
A percepção atinge os seus limites
Como no primeiro dia de muito sol e calor
Senti-me renascer
O meu coração como o rio sagrado
Corre nas nuvens
Os homens santos fá-lo-ão aterrar
Sobre a terra escaldante
E tudo voltará à realidade
Uma verdade sorridente
Como há muito não tinha

A verdade é que, até hoje, e apesar de lhe ter deixado o número de telefone, nunca mais ouvi falar dela…

sábado, 1 de novembro de 2008

sussurro





Tudo isto é
Um sonho
Um policial
Sem assassínios
Ou outros crimes
Mas há a possibilidade
De um verdadeiro amor
O meu coração
Derrama
Minúsculas gotas
De sangue
Que caem
Como a areia
De uma ampulheta
Sobre os teus belos lábios
Seios
E sobre o teu ventre
Estás deitada,
Quase a dormir
E eu beijo-te
Beijando
O meu próprio sangue
Sussurro
“Amo-te te"

strip





Na rua estava uma noite morna. Não prometia nada de especial. Beberia uns copos, sentado ao balcão. Longe da verdadeira “acção”, a actuação das stripers. Trocaria meia dúzia de palavras insinuantes com a super-boa bartender, que tem os belos seios nus. O balcão, naturalmente, está a abarrotar de homens que esperam um milagre: dormir com aquela deusa do sexo, custe o que custar… Olharia para a gaja que estava no passeio das stripers. Boa, belas mamas, longas pernas, boca carregada de batôn e falsas promessas de uma grande noite. Maquilhagem exagerada e a começar a borrar, efeito do suor – suor e sexo sempre ligaram bem um com o outro, o calor do desejo e dos corpos a arder de sexo reprimido criam, juntamente com o fumo dos muitos cigarros fumados em menos de nada, um ambiente quente (e com um cheiro muito próprio) que obriga a beber muitos líquidos (a ideia é essa) e a umas idas à rua; mesmo com o risco de perder a actuação da striper seguinte, que é sempre melhor do que a anterior, segundo dá a entender indirectamente, pelo sistema de som, o dj de serviço, que tem ar de quem não se lava há um mês e que as raparigas veneram. Vislumbram-se na penumbra avermelhada (as luzes, nestes locais têm sempre uma tonalidade da cor do pecado) várias mesas com machos ansiosos – é que as meninas após os números sensuais e verdadeiramente acrobáticos, no varão, podem ir, mediante pagamento, dançar no colo dos clientes, deixando aqueles completamente loucos! Previamente avisados de que não podem tocar, nem com um dedo, nas raparigas praticamente virgens -, copo, garrafa e cigarro aceso à frente. O dono do bar e os “empresários artísticos” das belas moças, quase todas emigrantes brasileiras, espanholas e oriundas dos países de leste, não gostam nada que se lhes toque, que se lhes mexa. O que não impede uma ida á pensão, ali perto, para praticar sexo. Mas cada coisa a seu tempo e no seu lugar. Acontece muitas vezes, durante a lap dance, verificarem-se cenas de violência, muitas vezes acabadas na rua, ao murro e à navalhada, com abundante derramamento de sangue, entre, os clientes desvairados e bêbedos que se pegam (após uma breve apalpadela ou um beijo que estão proibidos de dar) com as raparigas, os respectivos “proprietários” e os implacáveis seguranças. Há muito sangue limpo de manhã, pela empregada, naquele passeio à frente da porta do “Paraíso”. Já lá morreu um, de tanto sangrar, numa noite de Inverno, perto do dia de Natal. Consta que ninguém viu nada, e, na verdade, não houve presos, nem culpados, tal como não houve grande intervenção da polícia. Segundo me contaram morreu à facada. Dizem que não foi uma morte gratuita, pois a rapariga era “linda de morrer”. Nesta noite em que fui lá beber uns copos e olhar para as jovens, tudo foi morno, como a noite, e nada aconteceu, que valha a pena acrescentar…

terça-feira, 28 de outubro de 2008

inferno





São os ecos de silêncio
Absoluto
Dos meus passos
Reencontrados
Mas não podemos encontrar
O que já perdemos
Mas podemos vazios
Vadiar
Com violência
Porque ela liberta
Velhas hostilidades
E o amor
O amor é solidão
E faz-nos sentir
Assassinos
A vingança cura
E corrige
Tentemos suicidar-nos
Todos
Para finalmente
Chegar-mos ao inferno?

terça-feira, 21 de outubro de 2008

longe



Gosto de te ver
À distância
Longe
Do exterior
Para te compreender
E conhecer
Para poder
Amar-te
Ao quente sol
Do curto dia
E sonhar
Contigo
Nua
E tão desejável
Durante a infindável noite
À luz
E ao frio
Das estrelas
E das luas novas
E cheias
Enfrentando o perigo dos elementos
Materiais
A chuva
O vento O fogo
A terra
Servir-te-ei de escudo
Nas tardes escuras do Outono
Que chega mais uma vez
Para nos advertir
Contra o perigo
Da doença
E da morte
Amo-te tanto
Mas não consigo
Compreender-te
Mesmo daqui
De tão longe

a cidade



A cidade é escura
Lodosa
Plena de mistérios
Vidas
Na estranha corda
Do equilíbrio
Da sobrevivência
Chove
Há fome e doença
E tiros
E navalhadas
Aqui e ali
Nada tem valor
Aqui onde todos esfolam todos
As pessoas caminham pela humidade
E pela sombra
Sorrateiros
Escondidos
Do perigo
Temem pela sua vida
Bebem vinho azedo
Fumam beatas do chão
Estão-se cagando
Para deus e para os deuses
Nunca
Mas nunca choram
Nem uma lágrima
Nem um afecto
Só sexo podre
Nas esquinas
E nas pensões
Tão sujas que são
Se podem dizer

vento





Para a belíssima Teresa Ribeiro,
que tem os olhos verdes mais bonitos deste lado do mundo

I.
Debaixo de uma muito bela, erodida e multi-secular ponte saem brumas sem fim, talvez porque a temperatura do ar é tépida e a água está gelada. É uma intuição. Não sei… Não percebo nada de fenómenos físicos. Essas brumas, fabulosas, fantasmagóricas e assombrosas, permanecem à tona da água, à medida que se vão afastando da ponte.
Assumem formas estranhas, por vezes, figuras históricas ligadas à cidade; noutras alturas, apareciam homens e mulheres de aspecto duvidoso, que calcorreavam os passeios, muito molhados, húmidos e mal iluminados de Veneza.
Estou numa gôndola, que aluguei barata por várias horas, para estar à vontade, num pequeno canal, tanto em largura como em extensão, isso torna-o ainda mais maravilhoso.
Em breves segundos, chegarei, ao objectivo esperado, e desejado, há cerca de dois anos. A gôndola pára, num velho ancoradouro, junto de um ainda mais antigo palácio.
Esta viagem, há muito adiada mas muito desejada, a ponto de ser objecto de sonhos e pesadelos, estava a chegar, simultaneamente, ao princípio e ao fim. Dentro de alguns minutos tudo estaria acabado. A finalidade de isto tudo consistia em fotografar um ramo de flores; eu vira esse ramo de flores durante a última viagem à cidade dos Doges, na altura não tinha filme na máquina e quase chorei de raiva e frustração. Partia no dia seguinte de manhã: nada a fazer. Apenas esperar e, para dizer a verdade, não conheço um único ser humano ou não humano que goste de esperar.
De repente ali estava! Um objecto de uma beleza incomum, um bouquet de flores, esculpido em pedra, digno da mais bonita mulher. Esculpido há muitos anos, no séc. XVI, na pedra do ancoradouro, já na altura, muito gasta, por certo. Do meio das pétalas saía uma forte argola de um qualquer metal quase indestrutível, cuja designação desconheço, que deve ter sido amarelado. As flores e a argola estão meias verdes, não tendo perdido quase completamente as suas cores originais, que ainda surgem aqui e ali.
A gôndola pára, fica a ondular levemente, há pouca luz, alguns reflexos magníficos dessa luz na água que marulha ao bater na pedra do passeio, tudo muito suave. Menos mau para fotografar. As condições não são as ideais, mas a vontade de guardar para sempre aquelas flores é superior.
Naquela argola devem ter estado atracadas muitas gôndolas engalanadas que transportaram belíssimas mulheres e elegantes galãs para festas mais ou menos secretas, em que ninguém sabia quem era quem, a maior parte das vezes isso nem interessava. Essas funções deviam decorrer no velho palazzo que se encontrava atrás do ancoradouro. No seu tempo deve ter sido um fantástico lugar, agora caía aos pedaços, que se podiam apanhar na calçada. Agora, longe no tempo e no espaço, lembro-me que podia ter apanhado, como recordação um desses pequenos estilhaços cadentes. Quem segurava o velho imóvel era uma jovem prostituta veneziana, encostada a ele, no meio da névoa podia ver-se que era uma bela rapariga, elegante também, o que não é comum naquela profissão, Uns escarpins negros, da mesma cor dos collants e da saia de veludo mate, a blusa é bordeaux com um decote interessante, sem soutien por baixo podem adivinhar-se uns perfeitos peitos, tem uma perna flectida, com a base do sapato encostada à parede do velho palazzo. É ela que o sustenta. Por ali movem-se outras figuras fugidias, sobretudo homens, naturalmente. Faço uma fotografia da cena que, mais tarde, me agradou tanto que, ainda hoje, está pendurada na minha sala.
Entretanto desatei a fotografar o ramo de flores, gastei vários rolos, fotografei de todos os ângulos que consegui, com a ajuda do meu paciente gondolieri. Depois, um pouco cansado, mas eufórico, lancei um último olhar a tudo aquilo, sem me esquecer da sensual prostituta e fui para o hotel, já ansioso por ver o resultado da revelação e ampliação das fotografias a preto e branco, que incluíam, também a ponte das brumas. Nessa noite mal consegui dormir; pensava sobretudo na rapariga e nas flores de pedra. De manhã acordei ainda cansado, demasiado cansado para viajar. Mas o regresso já estava marcado havia muito.
Durante muitos meses, aquelas rosas inquietaram-me, queimaram-me os neurónios, apaixonaram-me. Quis saber tudo sobre elas. Falei com especialistas em História da Arte, especialistas na cidade de Veneza, comprei a “bíblia” (em 3 volumes), “The Stones of Venice”, e nada, nenhuma referência. Os meus sentidos estavam suspensos daquele mistério, tão fascinante.
Contactei muita gente, encontrei, por fim, um velho restaurador de móveis veneziano que me enviou, por e-mail a explicação para tudo o que eu queria saber. A obra de arte tinha sido esculpida, desesperadamente, durante cerca de três semanas, por um jovem frequentador de uma das festas do palazzo. Jogador, falido, pobre, filho de nobres – fora deserdado, por mau comportamento, não tinha onde cair morto -, roubara umas fatiotas elegantes e fora à recepção, aprveitava para se alimentar, beber uns divinos copos de vinho, observava as belas aristocratas e, com sorte, talvez dormisse com uma… Deu de caras com uma bela morena de olhos cor de esmeralda. Os seus sentidos morreram para tudo o resto, Durante toda a noite pensou na forma de conhecer a rapariga, quando arranjou coragem ela já tinha partido há muito. Desapontado retirou-se, sem saber que rumo dar à vida sem a deusa que vislumbrara. O restaurador enviara-lhe, também, via internet, uma cópia de um manuscrito, onde nunca era designado o nome do jovem, com oito páginas, onde supostamente o amante tinha fixado as suas amargas impressões sobre aquele amor nunca consumado. Dez anos passados, afirmava-se no manuscrito – cuja veracidade ficava por provar… -, nunca voltara a vislumbrar a mais bela criatura sobre a qual colocara os olhos. Segundo o correspondente veneziano, o amante frustrado morrera, tuberculoso, pouco depois de redigir este manuscrito que desejava vender por preço simbólico (dizia ele!),
Apesar de tudo, a história agradou-me. Teria preferido um final feliz - mas toda a gente sabe que não existe nenhuma história com final feliz... - para o pobre rapaz; teria, também, gostado de ter a certeza de que o manuscrito era verdadeiro.

II
A verdade é que todas estas lembranças me ocorrem numa esplanada, em Carcavelos, onde estou descansado a beber um café, enquanto espero alguém. Os pensamentos atropelam-se confusos, de tal forma que, às tantas, já não sei se toda aquela história passada na cidade dos Doges é verdadeira, ou não passa de pura imaginação. Mas olho para cima da mesa e vejo uma caixa grande cheia de fotos, abro-a, vejo a imagem que está em cima de todas as outras e as dúvidas dissipam-se. Estava um dia quente e eu encontrava-me à sombra, de óculos escuros a escorregar pela cadeira abaixo. Era um dia de sol maravilhoso e a rapariga – uma bela jovem amiga minha – que eu esperava, era ainda mais bonita.. Estava nuito atrasada (eu levara as fotografias para lhe mostrar, já que, na minha cabeça ela seria parecida com a misteriosa veneziana), mas não há mulher bonita que chegue a horas a lado nenhum. Não há registo disso na história da humanidade,. Faz parte da coisa. É assim há séculos.
De repente, o tempo começou a escurecer. No ar vagueiam ondas de calor sufocante, O vento levanta-se e trás pequenas partículas que se parecem com pequenos grãos de areia vermelha. Na verdade, são mesmo grãos de areia vermelha: vêm do Norte de África, do deserto do Sahara. É um vento que se chama Sirocco (belo nome para um vento) e, que por vezes, atinge o Sul da Europa. É um fenómeno que provoca mudanças no humor e na saúde de algumas pessoas, depressões, dificuldades em respirar e outras coisas, provavelmente piores. Apesar da curiosidade, pensei em ir para casa, pois não é agradável pensar que aqueles pedaços do deserto se estão a instalar nos pulmões, garganta e nariz, mas lembrei-me da amiga por quem esperava, e tinha tanta vontade de olhar para ela para os seus belos olhos verdes esmeralda. Lembrei-me logo da bela veneziana que tinha provocado aquele ataque de amor e paixão ao pobre rapaz.
Decidi ligar-lhe. Agarrei no telemóvel, procurei o seu número e liguei. Disse-me: “Não gastes muito dinheiro. Estou fora de Portugal. Mas que coisa estranha estava longe de pensar receber um telefonema teu…” A minha vontade foi desligar o telefone, mas acalmei ao lembrar-me da amizade que nos unis há tantos anos. Perguntei-lhe, “onde estás?”
Tinha-se esquecido completamente de mim e do nosso encontro. Também, pensei eu, quem é que trocaria uma viagem a Itália por um encontro com um amigo! Mulheres bonitas… Estão sempre apaixonadas por si próprias. Nada mais existe a não ser o seu belo umbigo!
Contou-me que estava a beber um espresso na Praça de São Marcos, em plena Veneza, e estava a assistir a um fenómeno comum naquela cidade, a chegada do Sirocco, que os habitantes locais bem conhecem. “Não sei se hei-de ir para o hotel, se vou dar uma volta…”
Estranhas coincidências. Apesar de triste e desiludido, não referi sequer que tínhamos combinado beber um café, nesse momento, seria ridículo. Decidi ir para casa curtir a neura, com uma dor de cabeça infernal.

domingo, 19 de outubro de 2008


dias quentes





2.
Jardim de suplícios
E de um mar de plantas
Cravejadas de espinhos
Tenho sempre uma mão cheia
De areia
Que escorrega por entre os dedos
O tempo que me lateja
Na fronte
E a vida que cavalgo
Sem ter aprendido
Como se faz
Caio e levanto-me
Vezes sem fim
Já sem força
Caminho
Devagar
E lembro-me de tudo
Daqueles dias de carinhos
E de nós
Encerrados
Sós
Naquele jardim
Cobertos pela seiva
Das plantas
Maltratadas
Foram dias quentes
Que já não quero recordar

aqui ao lado



1.
O fim que chega
Tranquilamente
Já esperado
Sente-se
Como se sempre
Estivesse sentado
Aqui ao lado
Com ele chega também
O desejado caos
Sonetos amorosos
Secretos mundos
Paraísos
Nem sequer
Imaginados
Infernos
Talvez vislumbrados
Lágrimas desnecessárias
Jardins soberbos
Cobertos de vermelhas rosas
Selvagens
Cujos espinhos cintilam
Sob o cristalino orvalho
Que anuncia a manhã
E estilhaços de papoilas
Mortais
Como estilhaços
De vida
Visões
De outros tempos
Templos a nenhum deus
Vindas ao mundo
Tão desejadas
Mas já fora de tempo
Tudo isto
Antes de chorar de medo
E de nervoso vomitar
As tripas
Como se deita fora o excesso
Com que alívio
Febril
Se enche de novo
O copo
E o céu com luas estrelas e novas constelações

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

interrogação



Um dia seremos todos livres e iguais em direitos e deveres e na nossa dignidade. Há essa inevitabilidade. Mas até lá, o que faremos?

miséria

Círculos mágicos, de onde nunca se sai, nunca. Mentes negras, bloqueadas. Azul escarrado numa parede. Tudo é feio. Será? É. Assim podemos morrer descansados. Cuspimos nalguém. Afogamo-nos depois, para acabar de vez com a desolação e a miséria que é detestar quase toda a gente. Sem dó, nem piedade . E há pessoas tão feias, por dentro e por fora. Um nojo. Choro estilhaços de lágrimas e por cima passam nuvens negras. Não anunciam nada de bom. Nen de mal. Por aí passeiam abutres. Eles sim, preveêm qualquer coisa... Sabem-no, nós não!Coisa grave, quero eu dizer... Vêm ao festim da tristeza, aos seus restos. Ao que sobra da dor e do sofrimento, deixado por aaqueles que não sabem o que é a vida. a poesia, a pobreza, o despojamento e a simplicidade. Aqueles que não têm ideia de que não são necessárias coisas. Só amor e fraternidade.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

sem dó





Uma rapariga que deve ter sido muito bela, está quase despida, na madrugada, a vender o seu corpo, num comércio triste e macabro. Numa das mãos esconde uma navalha de ponta e mola, não vá o diabo tecê-las. Mas a verdade é que se necessitasse de a usar, no estado de entorpecimento dos sentidos em que se encontra, não o conseguiria fazer. Num comércio desigual: ela entrega e corpo e a alma ao comprador – entrega quase tudo, menos o coração -, aquele deixa lá apenas dinheiro, pouco dinheiro, o suficiente para a rapariga ir comprando as suas doses de vício. São necessárias muitas e muitas, durante todo o dia e toda a noite, para manter o corpo e a mente um pouco sossegados. A verdade é que quase nunca come nem dorme, por isso, sossego verdadeiro não há – aliás, a jovem, muito jovem, rapariga está à beira da morte, seropositiva, com graves problemas respiratórios, anorética, etc. Pratica sexo com os clientes sempre sem preservativo, não informa ninguém que pode transmitir uma doença mortal: é a sua forma de vingar-se de quem se usa de si – trata-se de uma das poucas coisas de que tem consciência, e sente-se bem com isso: anda a matar pessoas. Por vezes vai parar ao hospital, depois de encontrada na rua sem sentidos devido à doença ou a uma valente tareia. Quando chega apanha logo do “seu homem” por ter tentado fugir ou por andar na vadiagem, como ele gosta de dizer, de modo que, durante alguns dias fica de cama a recuperar novamente (às vezes até lhe sabia bem estar ali deitada, sem fazer nada. A falta da droga, do cavalo, como lhe chamam, provoca um sofrimento e uma dor inenarráveis em todos os locais do ser. Quando vai parar à cadeia, o que acontece regularmente é horrível a necessidade da droga. São 24 sobre 24 horas a pensar naquilo com as respectivas dores. As autoridades chamam a família, que nunca aparece porque, são de “boas famílias” – seja lá o que isto quer dizer… - e, portanto, não querem saber da rapariga para nada, ela que se arranje, “já que se meteu naquilo, que se desenrasque!” “Já não é minha filha”, costumam dizer, à vez, e para quem os quer ouvir, tanto o pai como a mãe.
Na rua e nos bares frequentados por aqueles necessitados de sexo, na verdadeira selva (que não é aquela do National Geografic e afins) - por há muito não verem uma mulher e por durante muitos meses se verem reduzidos à masturbação e a práticas homossexuais, (apesar de, verdadeiramente, não o serem) ou simplesmente por pobres criaturas que cheios de alcoól e de drogas (também), procuram as meninas necessitadas de dinheiro.
Tratam-nas mal, batem-lhes sem dó, transmitem-se mutuamente doenças terríveis. Metem-se em brigas mortais com os chulos das raparigas e bebem, bebem, até cair. Fumam heroína ou injectam-na, Dormem no chão frio de alcatrão até ao dia seguinte e tudo volta ao normal. Geralmente não saem daqueles locais durante meses ou anos. Torna-se a sua casa sem telhado, nem casa de banho, nem televisão ou sala de estar, sem afectos, sem verdadeira família. Todos têm histórias pavorosas para contar, mas não há ninguém para as ouvir.
A rapariga, num acto final de desespero e consciência, acabou com a sua vida, através de um overdose de heroína. Saíra da prisão sem força sequer para andar e sabia que não viveria mais do que um ou dois dias. Tinha 16, quase 17 anos, parecia 40 e muitos. Puseram-na numa vala comum, que não tinha posses, a sua única propriedade era a micro saia e o top de biquini, muito sujos e usados. Não tinha roupa anterior. O seu pai e a sua mãe não foram ao enterro e não verteram uma lágrima. “Teve o que merecia”, foi o comentário do pai. A mãe assentiu, talvez com ar de alívio.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

o mar não é azul





Para duas amigas muito especiais,
a Andreia Ramos e a Inmaculada Gomez. Obrigado.



As coisas e as pessoas são diferentes daquilo que julgamos. Há diferentes subjectividades (uma por cada pessoa) e há aquela dicotomia de Husserl – a coisa-em-si e a coisa-para-nós. Há ainda, segundo aquele autor, a subjectividade transcendental, que não é, senão, consciência pura, exterior ao mundo, mas não alheia a ele. O céu e o mar não são azuis. As ondas são verde violento e as nuvens cor de chumbo vil e triste. Os homens sobrevivem agarrados ao ódio desde tempos imemoriais. Por tal se tornaram assassinos, aves de rapina dotadas de razão (?!). Uma flor enrolada na violência do vento emana tanta beleza e verdade, tamanho e raro odor e vontade de viver. Que comoção estar perante ela, na sua fragilidade e liberdade, talvez como um animal selvagem acabado de nascer...Que os homens olhem a gigantesca e bela festa da Irracionalidade, das emoções, da amizade, do amor e da fraternidade.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

compoanheiros!

O povo - os operáriios e os camponeses -está a ser espoliado, roubado, enganado, espancado(quando se manifesta) pela políci do estado e do governo fascistas. Há fome sede, frio, doença, as crianças são infelizes. Morte àqueles que acumylam riqueza, não se sabe bem para quê... Será para a levarem a S. Pedro e ao papa fascista e ostentatorio.
Morte à denocracia burguesa representativa que só representa os próprios representantes. Juntemo-nos aos irmãos pobres de outros países e continentes e realizemos a greve feral total que destruir+á o estado tal e qual o conhecemos, vejamos os valentes e corajosos milionários e políticos burgueses a fugir de calças mão.
Viva a revolução, que nunca se fez sem pelotões de fuzilamento!
Viva a greve geral!
Vivam os trabalhadores, os poibres os doentes, os sem abrigo e as pobres crinanças despojadas da sua infância!

Viva a Revolução anarquista!

quarta-feira, 1 de outubro de 2008






Pensamento da semana: a Megan Fox é a morena mais hot do planeta.

terça-feira, 30 de setembro de 2008






Hoje é o aniversário da minha irmã mais nova, A Ana Maria, ainda jovem, é querida, amiga, fofa, paciente (teve de aturar três irmãos mais velhos...), é maravilhosa. Dá-me sempre a mão quando "estou a cair": doente ou outra coisa qualquer: ela está sempre lá. Para além disso é linda de morrer. Tenho que lhe agradecer por isso, e por muito mais. Muitos parabéns e muitos beijos.


Para os meus verdadeiros amigos e amigas. Eles sabem quem são


Para todos aqueles que
com carinho me têm tratado ;
tanto no hospital de Santa Cruz,
como na Nefro-Clínica
de Linda-a-Velha.
A eles devo o facto de
ter podido escrever estas linhas.
Obrigado, do fundo do coração.

solidão




Desfiladeiros de tristeza
Por onde deslizo
Sem respirar
Planícies sonolentas
Queimadas pelo sol
Do sofrimento
Montanhas sem fim
Por cuja dor
Não consigo trepar
Lágrimas secas
De tão ridículas
De chorar quase
Sem razão
Mas não é de razão
Que se trata
É de solidão

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

venetian blues



Um dia conheci uma jovem condessa italiana. A sala onde nos conhecemos estava semi obscura. Eu via mal. Mas a sua beleza rara não necessitava de luz. Os seus cabelos longo e escuros, um pouco desalinhados, selvagens – como eu tanto gosto -, diria, não deixavam dúvidas: estava na presença de uma rapariga maravilhosa, um pouco reservada. Nessa noite apaixonei-me por ela. Tem um sorriso lindo. Uns olhos escuros que fazem lembrar os mistérios de Veneza e uma sabedoria rara e secreta – Veneza é uma cidade cheia de sabedoria oculta - sobre as coisas da vida. Viaja na diagonal da vida tentando ter consciência de tudo o que considera importante. Se um destes dias a encontrar na Ponte dos Suspiros ou numa gôndola nas brumas de uma madrugada no Gran Canale, não ficaria nada espantado: nada de mais natural. Mas não é fácil encontrá-la, pode estar perdida no meio do denso nevoeiro matinal, esquecida de si própria numa ruela ou beco metafísicos, ou mesmo junto de nós, sem que o saibamos . No entanto, sem dúvida, encontrá-la-emos no nosso coração. Há qualquer coisa de secreto na sua beleza extraordinária, qualquer coisa de etéreo e eterno. Podia ser actriz de cinema, modelo, qualquer coisa… Preferiu tirar o curso de arquitectura para pôr um pouco de ordem neste mundo. Para nos orientar na confusão da cidade. E a cidade é o mundo. A sua grande beleza é um pouco sombria. É preciso ir à procura dela. Nada nela é óbvio Por isso sempre que estou com ela acredito que estou no meio de um misterioso filme ou dentro de um excelente livro. Ela faz-me sonhar. Felizmente! É uma rapariga intensa e maravilhosa. E ainda hoje estou apaixonado por ela. Creio que nunca lho disse. ..



manhã branca






É de manhã muito cedo. O dia acaba de nascer. A luz entra branca, quase parece gelada. Mas o dia cresce quente. Um dia de Agosto. Ela está em cima da cama, pele dourada, sem marcas de fato de banho ou biquini. O corpo nu, tal como os lençóis e os belos cabelos castanhos soltos e despenteados, estão ainda naturalmente desalinhados. Ela dorme ainda, linda, desconhece a beleza do que está a acontecer. Chego perto dela e beijo-lhe levemente os lábios. Maravilhosa, deve sonhar ainda. Naquele momento morreria por saber o quê. Uma morte momentânea é o que me espera quando a Sophie abrir, estremunhada, os belos olhos verdes. Algo que acontece momentos depois. Da janela que dá para o mar entra agora um sol amarelo orrado já quente: de facto e de aparência. O jogo de luz e sombra, sobre os seus seios e ventre perfeitos. O claro escuro daquela imagem persegue-me ainda hoje, alguns anos passados; as sombras nas pregas da roupa alva da cama e do corpo daquela jovem mulher maravilhosa fazem-me desejar a eternidade que, infelizmente, não existe. A não ser, talvez, por momentos – talvez como estes… Apesar de quase acordada, não se mexe ainda. Pisca os extraordinários olhos claros, sorri, mas não diz nada. Naquele momento, eu esperava uma palavra sua. A Sophie, estonteante, na sua sabedoria solar gozava aqueles momentos perfeitos que antecedem a realidade aborrecida. Beijei-a novamente e disse-lhe que a adorava. Acrescentei: “Meu Deus, como és bonita”. Ela sorriu com agrado mas não acrescentou absolutamente nada. Gostava que ela tivesse dito alguma coisa, mas não fiquei triste. Depois daquela noite sabia que ela me amava. E as palavras não têm muito a ver com o amor.

horrível infinitude



Há planaltos longínquos
Onde corre medo sem fim
A escuridão
Faz esquecer
Os sentidos morrem
E os desertos
Escondem-se
Nada continua
Nas alturas incomensuráveis
Das terras
Sem horizonte
Não há flores
Só horríveis ervas
Que sangram
Verdes
Choram
Na infinitude dos tempos
Das cicatrizes
Criadas na poeira
Da história
Onde não acontece nada
E ninguém se ouve os seus estridentes

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

sombras azuis



Assombrações
A cratera de um vulcão
Cores
O vazio
Preenche-me
As imagens
Terríveis
Os pesadelos
Têm sombras azuis
Uma planície intrigante
Cicatrizes
Depôs o horizonte
Como sempre
Tudo azul
Como sempre
Muito triste
Tal e qual as histórias
Dos marinheiros
E pescadores
Sombras azuis
Sempre
E o sirocco e o mistral
E naufrágios
Grandes tristezas
E alguma esperançaMa


Nunca ninguém chega a horas. Nunca ninguém tem horas certas.
Ninguém quer saber de ninguém. Ninguém quer saber…

fragmento



Não me interessa a tua realidade, o teu todo. Importam-me os teus fragmentos, as minhas realidades, os meus gostos. Os meus momentos não são, decerto, os mesmos que os teus. Apetecem-me os teus seios, tu, provavelmente, gostarias que desse atenção ao teu ventre. Gosto de captar apenas os teus lábios, hoje não me interessam os teus belos olhos. A visão de conjunto aborrece-me porque é banal, o todo nunca é todo perfeito, pelo menos em determinados momentos. Não me interessa a ideia totalitária representada por um sistema, mesmo que esse sistema seja o corpo de uma determinada e bela mulher, mesmo que a amemos, vamos encontrar-lhe sempre defeitos que, com o tempo se tornam irritações irreparáveis. O belo é o barroco, o ornamento de uns belos lábios, é o pormenor de umas pernas longas e perfeitas, é exagero de um ventre nu e descuidado.


mário rocha, in escritos nómadas


segunda-feira, 22 de setembro de 2008

"come as you are/as you were/as I want you to be" (nirvana)



Serenidade. Eis o que ele buscava. Uma espécie de Nirvana. Quem lhe dera… Cansado, doente, farto de trabalhar; teve, pelo menos a sorte de ser free-lancer toda a vida. Nunca teve patrões.
Foi jornalista, uma profissão nobre, como lhe disse, uma vez, um amigo que já cá não está. Teve oportunidade de verificar isso no Diário de Lisboa. De nobreza já não se pode falar acerca de todos os que exercem aquela profissão. Nunca foi ambicioso, nunca foi competitivo, por isso nunca teve dinheiro. Não se arrepende disso. Teve poucos amigos: “poucos mas bons”, como se costuma dizer…
Teve o suficiente para andar na valente borga e dar cabo da saúde.
Nos intervalos dos jornais foi assessor de imprensa na área do teatro e do cinema (TNDMII e Festival Internacional de Teatro), profissão ingrata e enjoativa: tem de se estar sempre a cravar favores aos antigos colegas jornalistas.
Como jornalista colaborou no DN, DL, O Liberal (onde começou), O Independente, Expresso, nas revistas Tempo Livre, A Cidade e as Terras, Grande Reportagem.
Muitas regras e muitas exigências quanto a questões de forma, encheram-no de raiva. Por essa altura adoeceu. Estranha coincidência! Esteve em vários hospitais e recuperou um pouco de saúde. Não foi recuperado para o jornalismo; nem recuperou os amigos que fugiram após a sua doença. Ainda bem! Assim, arranjou tempo para o seu amor de sempre: a literatura. Gosta dis clássicos russos, franceses, ingleses, de literatura grega, de Cardoso Pires, Al Berto, Nuno Bragança, Camões, Shakespeare, Holderlin, Lorca Al Berto B. Santareno, Carver, Hemingway, Strindberg, Genet, Sartre, Camus, etc. Admira ainda Fernando Lopes, Bergman, Tarkovski, Cassavetes, Caravaggio, Delacroix, Géricault, Velasquez, Goya, Rafael, Bacon, etc. É anarquista, com uma componente social muito alargada. O seu sonho, neste campo é escrever um grande romance sobre o amor por uma grande trapezista, a mais bela das mulheres. Durante uma actuação algo corre mal e ela morre; o que acontece ao amor e ao amoroso? O que é a vida sem a criatura amada. Sofrimento ou suicídio?... Neste momento está a escrever uma nova peça de teatro “A puta e a virgem” e um romance, “Dolores”. Gosta de conversar com os seus leitores, fazer “literatura à margem”. Responde com amizade a todos os amigos leitores e agradece as críticas. Falem com ele através de mariojscr@gmail.com

sábado, 20 de setembro de 2008

a tempestade



O rochedo com o farol, abandonados no meio do mar, são devastados por sete ventos irados. E vinte correntes contraditórias. Ventos de morte, gelados. Ondas que igualam ou superam a altura do edifício e engolem tudo. Relâmpagos e trovões, que fazem tudo tremer e abanar. O frio é insuportável. No seu refúgio, na sua cela monástica, o faroleiro tenta aquecer-se. O medo não o permite – treme por todo o lado, incontrolavelmente -, naquele quarto, mais singelo e silencioso que o de um monge que tenha feito votos de silêncio, pobreza, castidade e tenha renunciado à sociedade. E lá está o crucifixo, por cima do catre do faroleiro – que nestas coisas do mar.... Por esta altura, de tão danificado, o farol já não tem utilidade, a luz intermitente extinguiu-se, já não guiará mais ninguém.. Resta a vida do monge faroleiro que tanto ama a tranquilidade, o sossego, a possibilidade de meditar, que lhe eram impossíveis em terra. Por um lado, amava o mar., por outro, devido a um devastador desgosto, decidira abandonar o mundo. E ali estava agora a aguardar a inevitável morte. Não a temia, por vezes até ansiava por ela. Mas o que estava acontecer – que ameaçava desfazer o velho e belo farol (e a ele também), aterrorizaria qualquer um, mesmo o mais bravo lobo do mar. Decidiu morrer, logo ali, no meio da tormenta. Num dos cantos do quarto encontravam-se umas asas, que ele acreditava serem as asas de Ícaro, encontradas no mar que circunda a ilha de Samos, não muito longe dali. Tal como o filho de Dedalo e da escrava Naucrate, colou as asas aos ombros com cera e aproximou-se de uma pequena e segura janela que havia no quarto. Abriu-a e, após alguns momentos de meditação, medo e algumas lágrimas, lançou-se. Em vez de cair em direcção ao mar, como pensava que ia acontecer, notou que conseguia manobrar as asas e decidiu subir, tentar ultrapassar as nuvens negras e tempestuosas. Fê-lo rapidamente, até encontrar o sol brilhante, quente e belo. Tal como o herói grego, esqueceu-se do conselho de Dedalo e subiu demais, o calor do sol derreteu a cera das asas e o Ícaro faroleiro caiu no mar, pela tempestade abaixo e, no meio de grande dor e sofrimento, mergulhou no mar alteroso que o matou de imediato. Não teve tempo de encomendar a alma nem de um último pensamento. Nem sequer teve oportunidade de se lembrar do motivo porque estava ali, retirado de tudo.

Excerto de escritos nómadas

tocado pela morte



No meio da noite e da chuva está um tipo. De sobretudo negro com a gola levantada. Fuma enquanto caminha sob a chuva, e protege o cigarro debaixo da palma da mão, mal iluminado pelos poucos candeeiros de rua. Está triste, creio. Caminha encolhido, de certeza por causa do frio. Vagueia, parece. Um amor que acabou, uma paixão que não chegou a concretizar-se? Desejaria por certo um amigo, um filósofo, um sábio. Deveria procurá-lo. Conhece um velho sábio que viveu muitas vidas e, de borla dá lições de tudo. Mas não tem coragem. Depois desta noite, tudo se tornou denso e difícil, cansativo. Parece que já nada vale a pena. E, aliás: o que é que o amigo ou o filósofo ou o sábio, saberiam sobre este amor ou esta paixão? Para além de tudo mais, está bêbedo, parece-me.


Ziguezagueia, vagueia, já disse. Olhos no chão, mãos enterradas nos bolsos. Cada vez mais encolhido. Se calhar gostaria de ouvir um longo e doloroso lamento de trompete. Chet Baker: talvez, mas ao vivo, num pequeno bar fumarento, com cheiro a cerveja morna e a putas.
Mas já nada é possível. O grande Chet Baker foi-se, carregado de heroína. O tipo que está na rua está cansado, muito cansado, parece. Resta-lhe continuar a caminhar e pensar compulsiva e tristemente numa mulher. Bonita… Pára debaixo de um candeeiro, chove muito. Está ensopado, bastante. Está tocado pela morte, tenho a certeza.
Excerto de escritos nómadas a publicar brevemente em lulu.com

yellow rose blue



Choro sobre
O silêncio
Medonho
Das rosas cinzentas
Feitas de pano
Cobertas de pó
Esquecidas
Debaixo das
Sombras
Triste
Escorrem-me lágrimas
Cor do oceano
Aqui mesmo
Em frente
A violência
Das marés
E a melancolia
Provocam sono
E vontade
De matar
Vejo de repente
No meu sono
Maravilhosas rosas amarelas
Acordo
E caem-me sonhos
Pelo corpo
Abaixo
Fico seco
E vazio
Como o mais selvagem dos desertos
Estou sozinho

tenebrosos olhares



Nuvens de névoa
Húmida
E translúcida
Montanhas sem cume
À vista
Tenebrosos olhares
Sem fim
O desespero
Que me chama
A todo o segundo
Uma gaja linda
Com os lábios tão vermelhos
Tem uma rosa na mão
Com os espinhos incandescentes
Sangue escorre pelos dedos
As pétalas são da cor do seu sexo
Paisagens de dor sublimes
Passagens secretas
Amantes zangados
Túmulos revolvidos
Cadáveres à solta
E tu simples
Sem amor
Sozinha
Nuvens de névoa húmida
Rastejam do além
Procuram-te
À tua vida
Que julgas
Está no fim
Escondes-te
Encoberta
Num túmulo
Vazio

Ecerto de canto(s) do desespero