sábado, 20 de setembro de 2008

a tempestade



O rochedo com o farol, abandonados no meio do mar, são devastados por sete ventos irados. E vinte correntes contraditórias. Ventos de morte, gelados. Ondas que igualam ou superam a altura do edifício e engolem tudo. Relâmpagos e trovões, que fazem tudo tremer e abanar. O frio é insuportável. No seu refúgio, na sua cela monástica, o faroleiro tenta aquecer-se. O medo não o permite – treme por todo o lado, incontrolavelmente -, naquele quarto, mais singelo e silencioso que o de um monge que tenha feito votos de silêncio, pobreza, castidade e tenha renunciado à sociedade. E lá está o crucifixo, por cima do catre do faroleiro – que nestas coisas do mar.... Por esta altura, de tão danificado, o farol já não tem utilidade, a luz intermitente extinguiu-se, já não guiará mais ninguém.. Resta a vida do monge faroleiro que tanto ama a tranquilidade, o sossego, a possibilidade de meditar, que lhe eram impossíveis em terra. Por um lado, amava o mar., por outro, devido a um devastador desgosto, decidira abandonar o mundo. E ali estava agora a aguardar a inevitável morte. Não a temia, por vezes até ansiava por ela. Mas o que estava acontecer – que ameaçava desfazer o velho e belo farol (e a ele também), aterrorizaria qualquer um, mesmo o mais bravo lobo do mar. Decidiu morrer, logo ali, no meio da tormenta. Num dos cantos do quarto encontravam-se umas asas, que ele acreditava serem as asas de Ícaro, encontradas no mar que circunda a ilha de Samos, não muito longe dali. Tal como o filho de Dedalo e da escrava Naucrate, colou as asas aos ombros com cera e aproximou-se de uma pequena e segura janela que havia no quarto. Abriu-a e, após alguns momentos de meditação, medo e algumas lágrimas, lançou-se. Em vez de cair em direcção ao mar, como pensava que ia acontecer, notou que conseguia manobrar as asas e decidiu subir, tentar ultrapassar as nuvens negras e tempestuosas. Fê-lo rapidamente, até encontrar o sol brilhante, quente e belo. Tal como o herói grego, esqueceu-se do conselho de Dedalo e subiu demais, o calor do sol derreteu a cera das asas e o Ícaro faroleiro caiu no mar, pela tempestade abaixo e, no meio de grande dor e sofrimento, mergulhou no mar alteroso que o matou de imediato. Não teve tempo de encomendar a alma nem de um último pensamento. Nem sequer teve oportunidade de se lembrar do motivo porque estava ali, retirado de tudo.

Excerto de escritos nómadas

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