sábado, 20 de setembro de 2008

tocado pela morte



No meio da noite e da chuva está um tipo. De sobretudo negro com a gola levantada. Fuma enquanto caminha sob a chuva, e protege o cigarro debaixo da palma da mão, mal iluminado pelos poucos candeeiros de rua. Está triste, creio. Caminha encolhido, de certeza por causa do frio. Vagueia, parece. Um amor que acabou, uma paixão que não chegou a concretizar-se? Desejaria por certo um amigo, um filósofo, um sábio. Deveria procurá-lo. Conhece um velho sábio que viveu muitas vidas e, de borla dá lições de tudo. Mas não tem coragem. Depois desta noite, tudo se tornou denso e difícil, cansativo. Parece que já nada vale a pena. E, aliás: o que é que o amigo ou o filósofo ou o sábio, saberiam sobre este amor ou esta paixão? Para além de tudo mais, está bêbedo, parece-me.


Ziguezagueia, vagueia, já disse. Olhos no chão, mãos enterradas nos bolsos. Cada vez mais encolhido. Se calhar gostaria de ouvir um longo e doloroso lamento de trompete. Chet Baker: talvez, mas ao vivo, num pequeno bar fumarento, com cheiro a cerveja morna e a putas.
Mas já nada é possível. O grande Chet Baker foi-se, carregado de heroína. O tipo que está na rua está cansado, muito cansado, parece. Resta-lhe continuar a caminhar e pensar compulsiva e tristemente numa mulher. Bonita… Pára debaixo de um candeeiro, chove muito. Está ensopado, bastante. Está tocado pela morte, tenho a certeza.
Excerto de escritos nómadas a publicar brevemente em lulu.com

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