sábado, 20 de setembro de 2008

carmen e os piratas




O responsável pelo porto está tranquilamente sentado numa cadeira de lona, que um dia terá sido branca, à sombra dos quarenta e tal graus que se fazem sentir. Está sob um enorme guarda sol, branco, muito sujo e já muito usado. E em muito mau estado.
Ao seu lado, numa pequena mesa, estão uns binóculos e um copo que fervilha de gin tónico, a transbordar de gelo. Está calor, muito calor, a humidade está próxima dos seus valores limite: é inumano!; o comandante do porto abana-se lentamente (para não gastar nem um pingo de energia a mais) com um velho jornal incompleto e encardido, escrito numa qualquer língua desconhecida.
Apesar do guarda sol e dos líquidos abundantes, Adams, o comandante do porto, sua imenso. Sobre os cabelos grisalhos e desalinhados, tem um boné previamente molhado. O boné de tão esburacado, praticamente, não tem utilidade. Mas Adams é um homem apegado às suas coisas, às suas parcas possessões. Numa mão tem um lenço a escorrer suor, passa o trapo, de cor acastanhada (deve ter sido de outra cor, em tempos há muito passados), mecanicamente, pela face e pelo pescoço. Na outra mão tem um coto de charuto, há muito apagado e quase a desintegrar-se, de tão manuseado, tanto pelos dedos, como pelos lábios. Tirando isto, está absolutamente imóvel, com o olhar estranhamente fixo no horizonte. A sua face enrugada, envelhecida e com barba quase branca e muito forte, tem para aí uns quinze dias. Tudo isto lhe dá um aspecto assustador, ele é um homem grande. Uma vantagem que ele não descarta.
O porto, em forma de u também está velho e gasto; há manchas de ferrugem a escorrer por todas as paredes, e pelo cais onde atracam as embarcações. Muita porcaria (mais ferrugem incluída) encontra-se na grande quantidade de arruinados barcos que estão atracados no pequeno porto. As embarcações parecem estar ali há séculos e, à primeira vista, parece que nunca mais sairão dali – puro engano... O movimento é grande, embora quase não se dê por ele. Aqui e ali há homens em tronco nu, com um aspecto muito sujo a carregar e descarregar grandes pacotes de mercadorias.
Ao fundo, do lado esquerdo de Adams, está todo o material necessário para colocar combustível nos barcos., lá se encontram muitos barris e uma enorme grua. Por toda a parte, sobre os paredões, existem, em locais estratégicos, vigias com grandes e poderosas armas pesadas. Cada uma delas tem um homem de serviço 24 horas por dia, não importa o calor que faça.
Ao contrário do que acontece na realidade, o mundo parece estar parado e a derreter, perante as centelhas vermelhas que chispam do horizonte, já ao fim do dia.
O comandante do porto está de tronco nu, a pele muito bronzeada de tanto sol, durante tantos anos. Apesar de tudo, parece as cinquenta .primaveras que tem; os olhos são cor do mar das Caraíbas (onde se localiza o porto), cristalino e perigoso. Não há mulher ou jovem rapariga que lhe resistam. Apesar de todas as cicatrizes da vida.
O comandante do porto continua a abanar-se com o jornal e continua a encher de pouco em pouco tempo, o copo com gin e água tónica, a hora do almoço ainda vem longe.
De repente agita-se, levanta-se da gasta cadeira de lona, agarra nos binóculos e perscruta longamente o horizonte e os movimentos das lanchas que por lá andam e que ele conhece de memória. Dizem que conhece todas as embarcações oriundas das Caraíbas. Nesse momento, algumas dezenas de homens, em calções e tronco nu, saem não se sabe bem de onde e vão reforçar as posições nas vigias ao longo das paredes do porto. Alguns segundos depois, Adams senta-se de novo e tudo volta ao normal – vagarosamente, os homens que tinham reforçado as defesas voltaram aos locais onde se encontravam. Tudo volta ao normal. Naquele local já muitos foram mortos a tiro ou agrilhoados no cimento fumegante do chão (e ali ficaram a fritar até à morte, sem direito a pinga de água ou de comida), tudo por causa de um mero olhar mais indiscreto sobre a sua companheira, Carmen não se preocupava com nada disto. O seu amante, Adams era dono e senhor do porto, dela – apesar de Carem ser muito senhora do seu nariz e de, por vezes, ter um feitio mais aterrador que o comandante -, bem como de todas as pessoas que se encontravam na pequena ilha.

II.
O sol está no seu pico mais vertical, deve ser perto do meio-dia; por detrás do local onde se encontra Adans, surge a mulher mais espantosa que se possa imaginar: nunca ninguém viu nada de semelhante. Veste (?!) o btquini mais reduzido de que há memória. Mostra mais do que esconde A Carmen, companheira do comandante do porto, anda sempre por ali à vontade. Claro que é objecto de desejo por parte de todos os homens e algumas mulheres que por ali se encontram rodeados de água por todos os lados. Mas Adams impõe tal respeito, que ninguém se atreve a mais do que um olhar, e mesmo assim, de soslaio.. Não dispõe de misericórdia, é implacável, e mata por dá cá aquela palha., à cintura carrega sempre uma pequena , nas extremamente poderosa metralhadora. No que diz respeito à Carmen, está bem de ver, nem sequer pestaneja... Passeava-se por onde queria, com o seu microscópico biquini, imaculadamente branco. Adams tinha-lhe oferecido um “barquito” com cerca de 20 m de comprimento, onde ela se deslocava – com a tripulação privativa de nove pessoa, que, a qualquer hora do dia ou da noite, estavam prontos para o capricho de um mergulho da rapariga, em águas mais profundas. Parece que até os tubarões receavam atacar Carmen, com medo das represálias do comandante do porto.. Durante os seus mergulhos diários, todos, homens e mulheres, se punham à coca para desfrutar da beleza e harmonia dos mergulhos da bela jovem . Tudo isto às escondidas de Adams. Depois de nadar um bocado, subia para o barco e, com movimentos sensuais – sabia que toda a gente a observava –, tirava o biquini e deitava-se a torrar sob o belo e quente sol das Caraíbas. Ainda ninguém percebera se o brilho permanente da sua pele se devia ao suor permanente ou a algum bronzeador. Mas perante tal beleza quem queria uma resposta para esta questão menor? De vez em quando, a rapariga banha-se ali mesmo, numa piscina que existe no porto e onde o comandante controla melhor os seus movimentos e, também os mirones. Olha sorridente para a sua bela “propriedade”. O certo é que escapa sempre, mesmo que involuntariamente, um olhar indiscreto e de desejo.

III:

Descrever a Carmen é uma tarefa hérculea, como fazê-lo? Talvez por analogia? Agarre-se em Angelina Jolie, Monica Belluci, Gisele Bundchen, Pamela Anderson e escolha-se o melhor de cada uma; multiplique-se por dez e aí está ela, a Carmen. Polvilhe-se tudo isto com uns pozinhos das personalidades excessivas e truculentas de Kate Moss, Naomi Campbell, Amy Winehouse e uma porcalhona das ruas de uma qualquer cidade da América do sul e aí está a namorada do comandante no seu melhor: o que não é pouco. Uma pérola inigualável das Caraíbas. Um conjunto explosivo que fala castelhano com sotaque e um pouco de inglês, o suficiente para se entender naquele pequeno local.
Adams tinha um grande orgulho em exibi-la pela ilha, passeando-a como quem passeia um cão, por vezes, com trela e tudo, para não haverem dúvidas quanto ao direito de propriedade, e também para a pôr na ordem, que nem sempre a Carmen se portava bem... nunca ninguém se atreveu a negar um desejo à Carmen, os seus desejos são ordens, nem Adamas se atreveria a tanto. Não é agradável ver um ciclone caribenho a varrer uma pequena ilha..
A nacionalidade da bela rapariga era desconhecida de todos, até do comandante do porto e mesmo de Carmen, ela própria; nas nada disso era importante.

IV.
Tinham uma bela casa de dois andares com piscina (exigência de Carmen). Situava-se num pequeno promontório colocado atrás do paredão central do porto. À sua volta havia muitas dezenas de outras casas, nenhuma tão elegante como a de Adams, claro. Existiam muitos armazéns, uma ou duas pequenas lojas, um minúsculo hospital, um bordel com umas dez belas e pobres raparigas; e era tudo. Da casa de Adams via-se o mar desde o porto até ao horizonte.

V.
Por vezes, durante alguns dias, Carmen desaparecia. Deixava-se ficar em casa ou no hospital do médico perneta (mutilado por uma vida de excessos e zaragatas com as pessoas erradas). De quando em quando a rapariga, bem bebida gostava de ser amarrada mãos no tecto, pés numas argolas colocadas no chão e pedia a Adams que lhe fizesse mal. Que a magoasse. O seu companheiro agarrava então numa tira de cabedal, cravejada de pequenos pregos, pedaços de lâminas e outros metais; ela era fustigada (com grande prazer do comandante) até desmaiar. O sangue escorria por todo o lado, o comandante reanimava-a à bofetada. Depois ela dizia que só o sexo anal a excitava – garantia que tinha gigantescos orgasmos desta forma – queria ser possuída com violência – clamava que se tinha portado mal, que tinha sido uma menina má, que merecia todos os castigos do inferno. Adams não se fazia rogado. Nessas noites a rapariga bebia muito, fumava muito ópio, estava fora deste mundo e do outro também. Nos dias seguintes o médico perneta tratava dela o melhor que sabia e, miraculosamente, as marcas desapareciam daquele corpo de deusa. Durante o tempo em que ficava fechada para se tratar gritava e chorava muito e muito alto, de tal forma que se ouvia por toda a ilha. Já ninguém ligava, já sabiam do que se tratava e já estavam habituados. Enquanto o seu belo traseiro era maltratado pelo comandante, Carmen despejava mais uma garrafa de rum. Quase em coma, só perdia os sentidos depois de Adams se ter aliviado dentro da sua boca. Enquanto lhe rebentavam o rabo, Carmen dava risadas medonhas de prazer, apesar da dor. No fim, o comandante do porto assustava-se um pouco, chamava o médico aos gritos, enquanto aviava de valentes bofetadas a face da bela rapariga. O perneta chegava, olhava para os estragos, abanava a cabeça em sinal de reprovação (mas não muito), fumava num pequeno espaço de tempo quatro ou cinco cigarros, nervoso de tanto medo, chamava ajuda e levavam Carmen de maca. Durante estas sessões de sexo (?) selvagem misturavam-se, pelas pernas da jovem, de forma assustadora, sangue, suor, lágrimas e fezes. Que a rapariga a partir de certa altura urinava e borrava-se toda. O médico bebia uns copos valentes no bar local e no bordel, no meio da bebedeira deixava escapar pormenores da carnificina. Os seus companheiros de bebedeira adoravam ouvi-lo discorrer sobre o belo traseiro da rapariga desfeito, so bre o seu ânus escancarado e a sangrar abundantemente. Alguns não resistiam, de tão excitados e masturbavam,-se logo ali, sem qualquer tipo de vergonha.

VI.

Um dia Adams disse à bela jovem, com um ar muito sério, que vinham aí dias complicados, iam chegar vários navios, muita gente e ainda mais mercadoria. Ela não ligou nenhuma mas ficou estranhamente perturbada. Respondeu-lhe em bom castelhano: “E o que é que eu tenho a ver com essa merda?” Adams deu-lhe uma valente bofetada com as costas da mão, que fizeram sangrar os lábios sensuais da sua companheira e respondeu-lhe: “Não quero merdas. Não quero conversas, nem bebedeiras, com quem vai desembarcar, estás a perceber, grande porca!” A Carmen nem respondeu, aborrecida com os lábios já inchados e a escorrerem sangue para o seu extraordinário e microscópico biquini branco.

VII.

Um dia, após o almoço, Adams e a companheira estavam no terraço do segundo andar da casa que habitavam. Estavam tranquilamente a fumar e a beber um rum saboroso e antigo, quando o comandante deu um salto inesperado até à borda do terraço. Era o seu apurado sexto sentido que lhe dizia que algo estava errado. Carmen sonolenta e desinteressada disse apenas: “Sossega, puta madre, preciso da minha siesta”. Rápido, Adams, foi-se a ela e com um directo, rebentou-lhe a cana do belo e imaculado nariz e abriu-lhe uma série de feridas que ainda não tinham sarado, desde a última cena de pancada e acrescentou “Cala-te grande puta dos infernos, ninguém te perguntou nada, que se foda a tua siesta!”. Ela olhou com um sorriso desdenhoso e não reagiu, nem se queixou, não disse nada.
Ele agarrou nas suas armas e dirigiu-se para o local onde costumava receber os amigos piratas, com as suas valiosas mercadorias. Esse local era mesmo à beira do cais principal do porto, o cais central. Nessa altura, apesar de se tratarem de amigos, as vigias com as armas pesadas já estavam a postos: “; com piratas, há muitos meses sem ver terra, nunca se sabe...”dizia Adams, muitas vezes – também ele fora pirata durante muitas décadas. Sempre com as suas armas à mão, o responsável pelo porto recebia os seus companheiros um a um, com satisfação e uma valente palmada nas costas nuas e alagadas de suor.
De repente chegaram mais lanchas rápidas plenas de piratas que manuseavam armas pesadas – inclusivamente, armas anti carro para destruir as armas pesadas do porto - e disparavam sobre tudo o que mexia. Um dos primeiros a cair, agarrado ao ventre e a gritar a plenos pulmões que ia morrer, “puta de vida, grandes cabrões!”, foi Adams, não sem antes despejar o carregador da sua UZI, sem saber muito bem para onde. Em pouco tempo tudo acabou. Havia corpos e incêndios por todo o lado, bem assim como um pronunciado cheiro a pólvora e a morte.
As habitantes permanentes do bordel e do bar, bem como os feridos do pequeno hospital, foram também varridas pelo fogo dos lacaios de James, o pirata mais temido das Caraíbas. De pé, mãos nas inacreditáveis ancas, imponente, frente-a-frente com o novo dono do porto estava a esplendorosa Carmen, ainda a sangrar. James disse-lhe, com um grande sorriso e já a babar-se um pouco: “grande puta! Eu não te disse que não demorava?”; “Sim avisaste-me e eu esperei muito por ti, hijo de puta. Estão à espera de quê? Já se esqueceram onde é a minha cama?”. O pirata vencedor deu uma gargalhada alarve e disse: “Claro que não! Vamos a isso!”. Assobiou para os seus homens, cerca de vinte. Passados um ou dois minutos, havia uma fila enorme à porta do quarto de Carmen, que bebia com eles quantidades inacreditáveis de rum. Depois gritou, já sem a parte de baixo do famoso biquini branco, “venha o primeiro”, entre urros animalescos e cenas de pancadaria, um pirata com cerca de dois metros de altura e um pénis gigantesco, de arma na mão tirou as calças, cheirava mal, o cheiro era nauseabundo. A jovem estava de costas para ele, à espera da penetração. A besta avançou erecto e entrou pela vagina de Carmen. Esta saiu bruscamente da posição em que se encontrava e berrou, no meio do maior caos sonoro que se pode imaginar: “En el culo, cabron”. Levanta a enorme pistola que tinha na mão e rebenta com a cabeça ao gigante, que nem chegou a saber o que lhe tinha acontecido. Recebeu uma avalanche de gargalhadas e palmas, houve brindes à rapariga, sobretudo de James, que estava divertido numa poltrona a ver o que se passava. “En el cuuuu... looo, cabrones!!!”, voltou a gritar , com um sorriso nos belos lábios. Pela noite dentro a rapariga despachou todos os homens. James aliviou-se duas vezes. Coberta de esperma, com o ânus a sangrar abundantemente – como faria agora que o médico perneta tinha sido decapitado? Alguma coisa se arranjaria... - no calor da noite caribenha, Carmen saiu de casa, nua, a correr e deitou-se à piscina, bem iluminada, de casa, cuja água rapidamente adquiriu um tom vermelho. Saiu um pouco mais aliviada e limpa e dirigiu-se a casa (onde ainda se encontravam uma dezena de piratas a masturbar-se, sem qualquer pudor – a rapariga correu com eles a tiro. Já se tinha divertido. Agora queria ficar a sós com James. Perante a perspectiva de herdar todas as propriedades de Adams, – Carmen inclusive - deu uma gargalhada monstruosa e penetrou a rapariga, mais uma vez por trás. As dores eram horríveis, mas ela estava a adorar todos os momentos. E disse: “Eu não te tinha dito, pelo rádio, que podiam vir à vontade?”. “Não te sentiste mal por seres a responsável pela morte de Adams?”. “Não, nada. Ele era um animal! Não sabia dar-me carinhos como tu me dás...”. E riu-se noite dentro com a cumplicidade do seu novo e querido companheiro e proprietário.

mário rocha, excerto de contos malvados, a editar brevemente em lulu.com

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