sexta-feira, 19 de setembro de 2008

o porto


É Verão, a tua mão na minha, suamos. Cambaleamos um pouco: uns whiskies e erva a mais. Mas sabe bem. Parece que caminhamos sobre algodão numa terra longínqua que só nos conhecemos. Esta sensação aproxima-nos ainda mais. Mas preferia a minha mão no teu seio ou no teu suave e húmido ventre Beijamo-nos; os beijos ardem, mas sabe-me a pouco. Gostara de sentir a totalidade do amor. O amor é total. Caminhamos juntinhos, agira abraçados pela cintura, apaixonados. O calor cola as vestes ao corpo e eu digo-te: “Meu Deus, como és maravilhosa!”. E ela, que sabe que eu falo verdade, oferece-me um sorriso que nunca esqueci. Acrescenta, meiga: “Meu amor…”O meu coração disparou. O acréscimo de energia fez-me bem, soube-me bem. Estava necessitado dele. Acho que não lhe vou dizer nada, pelo menos agora… Chegamos ao pontão; mal iluminado por velhos candeeiros públicos a necessitar de reforma. Só um ou outro funciona. Estamos ainda colados um ao outro, num abraço infinito.. Sentamo-nos à beira do pontão a balouçar as pernas no nada, ou melhor, a balouçar o nosso amor. Beijamo-nos de forma um pouco selvagem, aprisionamos as estrelas e todas as luzes da margem oposta. São todas nossas, só nossas. Lá longe há um farol que, de quando em quando, ilumina um velho cargueiro, ferrugento, que espera a sua vez de atracar. Nessa madrugada já distante, continuámos a amar-nos e fizemo-lo secretamente num pequeno areal ao lado do pontão. Ninguém nos viu. Concordámos que esta era uma verdade inegável. Ninguém passou por ali, acreditámos. Atrás de nós, longe, ainda, o movimento, os néons dos bares e discotecas – um pouco duvidosas -, as putas, os chulos, os clientes, os dealers, os pobres viciados, os patifes um pouco manhosos, armados de velhas navalhas ou de outras peças de antiquário, à espera de uma vitima. Aqui e ali vê-se um polícia sem grande vontade de trabalhar, de desequilibrar esta paisagem urbana que se encontra num equilíbrio tão precário. De manhã o calor aumentou bastante. Preparámo-nos para ir cada um para sua casa; pelo caminho, paramos numa esplanada decadente, como são quase todas as coisas junto a um porto. Bebemos cafés e muita água fresca. Cheirava a maresia. Um cheiro intenso, pelo qual não tínhamos dado naquela maravilhosa madrugada. Lembro-me de tudo ainda hoje. Foi a melhor noite da minha vida.

mário rocha in contos malditos edição lulu.com



Sem comentários: