Uma rapariga que deve ter sido muito bela, está quase despida, na madrugada, a vender o seu corpo, num comércio triste e macabro. Numa das mãos esconde uma navalha de ponta e mola, não vá o diabo tecê-las. Mas a verdade é que se necessitasse de a usar, no estado de entorpecimento dos sentidos em que se encontra, não o conseguiria fazer. Num comércio desigual: ela entrega e corpo e a alma ao comprador – entrega quase tudo, menos o coração -, aquele deixa lá apenas dinheiro, pouco dinheiro, o suficiente para a rapariga ir comprando as suas doses de vício. São necessárias muitas e muitas, durante todo o dia e toda a noite, para manter o corpo e a mente um pouco sossegados. A verdade é que quase nunca come nem dorme, por isso, sossego verdadeiro não há – aliás, a jovem, muito jovem, rapariga está à beira da morte, seropositiva, com graves problemas respiratórios, anorética, etc. Pratica sexo com os clientes sempre sem preservativo, não informa ninguém que pode transmitir uma doença mortal: é a sua forma de vingar-se de quem se usa de si – trata-se de uma das poucas coisas de que tem consciência, e sente-se bem com isso: anda a matar pessoas. Por vezes vai parar ao hospital, depois de encontrada na rua sem sentidos devido à doença ou a uma valente tareia. Quando chega apanha logo do “seu homem” por ter tentado fugir ou por andar na vadiagem, como ele gosta de dizer, de modo que, durante alguns dias fica de cama a recuperar novamente (às vezes até lhe sabia bem estar ali deitada, sem fazer nada. A falta da droga, do cavalo, como lhe chamam, provoca um sofrimento e uma dor inenarráveis em todos os locais do ser. Quando vai parar à cadeia, o que acontece regularmente é horrível a necessidade da droga. São 24 sobre 24 horas a pensar naquilo com as respectivas dores. As autoridades chamam a família, que nunca aparece porque, são de “boas famílias” – seja lá o que isto quer dizer… - e, portanto, não querem saber da rapariga para nada, ela que se arranje, “já que se meteu naquilo, que se desenrasque!” “Já não é minha filha”, costumam dizer, à vez, e para quem os quer ouvir, tanto o pai como a mãe.
Na rua e nos bares frequentados por aqueles necessitados de sexo, na verdadeira selva (que não é aquela do National Geografic e afins) - por há muito não verem uma mulher e por durante muitos meses se verem reduzidos à masturbação e a práticas homossexuais, (apesar de, verdadeiramente, não o serem) ou simplesmente por pobres criaturas que cheios de alcoól e de drogas (também), procuram as meninas necessitadas de dinheiro.
Tratam-nas mal, batem-lhes sem dó, transmitem-se mutuamente doenças terríveis. Metem-se em brigas mortais com os chulos das raparigas e bebem, bebem, até cair. Fumam heroína ou injectam-na, Dormem no chão frio de alcatrão até ao dia seguinte e tudo volta ao normal. Geralmente não saem daqueles locais durante meses ou anos. Torna-se a sua casa sem telhado, nem casa de banho, nem televisão ou sala de estar, sem afectos, sem verdadeira família. Todos têm histórias pavorosas para contar, mas não há ninguém para as ouvir.
A rapariga, num acto final de desespero e consciência, acabou com a sua vida, através de um overdose de heroína. Saíra da prisão sem força sequer para andar e sabia que não viveria mais do que um ou dois dias. Tinha 16, quase 17 anos, parecia 40 e muitos. Puseram-na numa vala comum, que não tinha posses, a sua única propriedade era a micro saia e o top de biquini, muito sujos e usados. Não tinha roupa anterior. O seu pai e a sua mãe não foram ao enterro e não verteram uma lágrima. “Teve o que merecia”, foi o comentário do pai. A mãe assentiu, talvez com ar de alívio.
Sem comentários:
Enviar um comentário